tag:blogger.com,1999:blog-24548524802572354432024-02-20T19:05:32.830+00:00Parágrafos inacabados...Todos os parágrafos poderiam terminar mas essa seria outra que não eu.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.comBlogger30125tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-83402043509734114112007-05-12T20:30:00.006+00:002008-07-07T23:31:06.400+00:00<span style="font-weight: bold; color: rgb(51, 102, 102);"><span style="font-size:130%;"></span></span><span style="font-weight: bold; color: rgb(51, 102, 102);"><span style="font-size:130%;"></span></span><blockquote><span style="font-weight: bold; color: rgb(51, 102, 102);"><span style="font-size:130%;">Os parágrafos inacabados...</span><br /><br /></span><span style="color: rgb(51, 102, 102); font-weight: bold;font-size:100%;" >É aqui que junto o que alguns conhecem e muitíssimos desconhecem. A minha tentativa idealista de ser apenas palavras.<br />O último texto que esteja por aqui poderá dar a ideia que deixei o blogue vogar em ondas mansas, mas na verdade, neste blogue as datas não ditam regras, apenas escolhas de arquivo.<br /><br /></span><span style="color: rgb(51, 102, 102); font-weight: bold;font-size:100%;" >Aos que me conhecem um abraço. Aos que me ficarem a conhecer as boas vidas.</span></blockquote><span style="color: rgb(51, 102, 102); font-weight: bold;font-size:100%;" ></span><blockquote></blockquote><span style="color: rgb(51, 102, 102); font-weight: bold;font-size:100%;" ></span>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-80977950481891295172007-04-17T13:04:00.002+00:002008-07-07T23:11:34.908+00:00<br><br /><span style="font-size:180%;">Insanidade consciente</span><br /><br />Acordei em sobressalto. Ondas gigantes, enraivecidas, engoliam areias e rochedos como se fossem conchas abandonadas. E de súbito, porque os pesadelos são peças de teatro constituídas por fragmentos dispersos, tudo se aquietou...<br />Mas via os meus registos de escritor empaparem-se... O esboço do meu livro desfazia-se na espuma mansa que restara da investida das ondas. E os meus olhos tentavam apossar-se de cada palavra que se desvanecia, incapaz de me apropriar dos meus próprios parágrafos.<br /><br />Abri os olhos. O meu coração ainda não cabia no peito. Toquei-te muito ao de leve com as costas da minha mão na tua pele nua, sem desejar despertar-te. Como que a assegurar-me de que ali estavas. Como se fosses tu, cabelos, olhos, nariz, boca e corpo, as páginas perdidas do meu livro.<br /><br />Estavas ali, inteira. Acalmei. Vim ao de cima do pesadelo, submergi na realidade e na luz que entrava pela janela. Tornei as paredes do quarto opacas. Deixei de sentir nos pés a areia molhada. E encostei a cabeça aos teus cabelos ondulados que se espalhavam pela almofada.<br /><br />Cheguei-me mais a ti. E repentinamente a água gélida do oceano invadiu-me aos borbotões e eu soçobrei nas ondas gigantes de novo e gritei. Gritei como nunca o fizera até aí. Gritei sem som. Porque ninguém me ouviu. Gritei como se fosse a última vez que pronunciasse o impronunciável.<br /><br />O teu cadáver gelado contra o meu corpo fendeu para sempre a minha mente do meu ser. Emudeci, fiquei vítreo. Ficámos assim horas e horas a fio. Tu, gelada, ausente, e o calor do meu corpo a aquecer-te até nada restar da minha razão. Apodrecemos. Mas nada disso me importou. Os teus belos cabelos ondulados colavam-se-me, enrodilhavam-se nos meus dedos. E as suas ondas eram as páginas, as palavras perdidas do livro por acabar. E os sábios do mundo decretaram-me louco. Mal sabendo que existo nas memórias do que foste.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com27tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-43086549859082379442007-04-17T12:40:00.000+00:002007-04-17T12:47:26.494+00:00<span style="font-size:180%;"><strong></strong></span><strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><span style="font-size:180%;"><strong>Circuitos fechados</strong></span><br /><br /><strong>Passou pelo ginásio tentando deixar lá as preocupações. O dia fora excepcionalmente cansativo. Os telefones não paravam, o telemóvel vibrava a todo momento no bolso do casaco, o ruído surdo, incessante e insuportável do escritório invadia-lhe os tímpanos como se tudo fosse parte de um teste de resistência para todos os ocupantes da imensa sala de paredes falsas.</strong><br />Open space. Um modelo que sempre associara a calma até se ver submerso nele.<br />Talvez fosse por ser sexta-feira, pensou, e o cansaço acumulado não lhe permitisse a fuga mental mesmo com música para relaxar - tinham-lhe garantido que aquele tipo de sonoridades o distrairiam o suficiente para reinventar o open space.<br />Alegara uma qualquer medida médica e o termo "médica" ressoara na mente do chefe que não prestara atenção ao resto e por norma não era contra qualquer tipo de sons.<br />Por vezes fazia pausas compulsivas. Curiosamente a máquina do café ficava do lado de fora do open space. Escapava-se deste e atravessava o corredor, entrando numa pequena sala sem definição estética. O líquido escuro caía no copo de plástico e depois o silêncio total... Aproveitava por alguns minutos o único sofá a que a sala tivera direito e pouco depois a rotina caminhava direita a ele, novamente.<br />Profissionalmente gostava do que fazia. Mas reconhecia que a vida estava a adquirir uma rotação com que não contara. E recordava-se dos pequenos hamsters, nas lojas de animais, correndo, incessantemente nas suas rodinhas, sem chegarem a lado nenhum.<br />"A lado nenhum" talvez fosse uma injustiça. A casa era maior, o carro era maior, a família aumentara. É verdade que os via menos - ou talvez estivesse apenas demasiado cansado para os enxergar - mas isso era o mesmo que aceitar um qualquer lugar comum. Toda a gente se vê menos ao longo da vida. Até nos colegas reparava menos. Estava apenas a tentar dar um pouco mais à família e a ele próprio.<br />Estaria a querer acelerar o processo? Dar mais em menos tempo? Não o sabia com exactidão e não queria pensar nisso excessivamente. Mas em prol da saúde, ou de alguma mensagem subliminar, decidira inscrever-se num ginásio. Era uma maneira saudável de pensar em algo mais do que trabalho casa, casa trabalho, e o médico de família perseguia-o há anos com a ideia de que se exercitasse.<br />E todos os amigos estavam a ir para ginásios. Por isso falseara um pouco o exame médico com mentiras inocentes, pequenas omissões, na verdade. Todos entraram no jogo, os amigos que o avisaram que pormenores em excesso atrasariam a inscrição, o médico que despachara a consulta e ele com as suas omissões.<br />Nessa tarde estava a saber-lhe bem a aparente pausa. Deixou os pensamentos errarem enquanto "fazia" bicicleta. Como tinha o sentido do absurdo das situações, e o ginásio lhe surgia desmultiplicado em dezenas de espelhos, não podia deixar de sentir que saíra de um open space para entrar noutro.<br />Preferiu abstrair-se. O cansaço sempre fora um bom método para a civilização se tornar impotente contra as amarguras. Quando dói não se sente mais nada. E o ritmo que se impusera começara a doer-lhe. Sentiu-se tonto, sonolento. A dor no peito surgiu, incómoda, inflexível. Num ápice, os espelhos do ginásio desapareceram e à sua frente estava um vidro sujo, pejado de dedadas. Do outro lado, um imenso hamster observava-o, curioso.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-4618954571629429172007-04-17T11:53:00.000+00:002007-04-17T12:30:59.482+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Torpor mortal</span></strong><br /><br /><strong>Nada sinto, a vertigem é real, a convicção de que não sou capaz de verter uma lágrima entrega o corpo a uma pausa forçada. Um coma induzido de todos os sentidos. Não traduzo as razões, não as quero traduzir.</strong><br />É de noite e os pilares de cimento são imensos, projectando sombras disformes que ocultam a luminosidade a cada pilar que por mim passa. Queria esconder-me por detrás de cada um deles, mas derroto a covardia eminente e avanço até ao fim do túnel onde a luz incendeia as pupilas.<br />Rostos, casacos, malas, sapatos que caminham contra mim e em que tento não reparar. Vejo-me reflectida nos olhares... Sou o oposto do real. Sinto-me um espectro saído das trevas que atravessa uma existência inerte, inserida num enorme cenário de papelão, colorido e envernizado, mas ainda assim inerte.<br />O coração deles bate coordenadamente. O meu está a estagnar. Não sei contar o tempo, procuro uma lógica neste labirinto de claridade e gente e vagueio sem me recordar do meu propósito inicial. Cada passada é mais densa que a anterior.<br />Os meus olhos, que interessam os meus olhos? Porque os observam? Porque me encaram, se desejo passar despercebida? Como abutres, devoram mágoas, pressentem a mais ténue discrepância na encenação e eu sou um contra senso neste palco.<br />De novo o mesmo corredor, as mesmas escadas... O que faço aqui? A luz atraiu-me qual borboleta à lâmpada que brilha na noite fria... mas não há calor. Não... A temperatura do meu corpo desce segundo a segundo e apenas o espanto inicial mantém alguns intervalos irrepreensíveis na respiração que afrouxa.<br /><br />"Tornei-me num sinónimo vazio de mim mesmo, os despojos de uma batalha que se iniciou no centro de ti. Foste o teste, a impunidade, a roleta russa. Ainda tens tanto para viver, tudo que já vivi e ainda mais. Poucas oportunidades tenho, se te empurrar tu apenas cais... Se me empurrares esfumo-me" - pensaste.<br /><br />Foi uma aritmética magistral. Indestrutível. E minha a juventude foi a desculpa perfeita para uma saída irrepreensível quando te despediste de mim.<br />Mas quando já te ias embora paraste, viraste-te, e encurtaste a distância entre nós tão rapidamente que me assustei. Sussurraste algo que o ruído ensurdecedor do comboio a aproximar-se não me deixava entender. Amo-te, escutei.<br />E sorria, quando as tuas mãos contra o meu corpo me empurravam para a linha.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-11627686367531269342007-04-10T12:59:00.000+00:002007-04-10T13:24:13.875+00:00<span style="font-size:180%;"><strong></strong></span><br /><span style="font-size:180%;"><strong>Telemóveis</strong></span><br /><br /><strong>Os telemóveis são, actualmente, o brinquedo preferido dos portugueses. Graças a eles passámos a entrar pela vida adentro da pessoa ao nosso lado, seja na rua, no autocarro ou numa loja, ficamos a saber detalhes perfeitamente entediantes ou verdadeiramente escabrosos, entre explicações sussurradas ou gritos.</strong><br />Entraram nas suas vidas para ficar, como a batata ou o arroz. Não há horário televisivo que não tenha um anúncio a uma qualquer operadora, marca, tarifário ou inovação. O mesmo se passa ao folhearmos uma revista ou apenas ao passearmos. Não há como fugir. É uma propaganda que nos persegue sem dó nem piedade. E habituados a ela, consideramos normalíssima toda esta informação, que nos leva ao desejo desenfreado de possuir ainda mais um telemóvel. As lojas enchem-se de possíveis compradores, como se de um artigo de primeira necessidade se tratasse.<br /><strong>É mais barato que trocar constantemente de carro, com a facilidade de vermos os nossos aparelhos transformados num porquinho cor-de-rosa ou num moderno mini computador em pouco segundos.</strong><br />E se de início os toques que fugiam à norma eram apelidados de ridículos e os infractores olhados de lado, rapidamente as áreas de marketing das marcas e das operadoras perceberam que "sair da casca" era uma boa forma de ganhar mais uns trocos e rapidamente inverteram as tendências. Multiplicam-se as ofertas de serviços, imagens ou toques a condizer com a personalidade do utilizador. Os adultos perdem-se e os adolescentes e as crianças adoram.<br />O telemóvel é reduzido no tamanho mas as possibilidades são inúmeras, desde as diversas formas comunicar - as mais óbvias - à máquina fotográfica - a mais popular - o pequeno aparelho tornou-se num gigante que a todos enfeitiça deixando as operadoras e as diversas marcas bastante felizes.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-70114869316536743212007-04-10T12:36:00.000+00:002007-04-10T13:25:52.066+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">As nossas </span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Crianças e a Internet</span></strong><br /><br /><strong>Tenho vindo a sintonizar-me com uma realidade que nos media apenas surge em notícias que tenham o impacto do "sucedeu dramaticamente sem que se imaginasse". Ou seja, "debate-se" o assunto quando a criança já desapareceu.</strong><br />Como adulta, sei exactamente o que procuro ou me interessa quando navego pelas águas aparentemente nítidas da Web. E sei os contactos que desejo, ou não, ter em programas de conversação - como o Messenger, por exemplo, um dos mais banais. Os pais têm uma noção muito vaga da face negativa - que pode ultrapassar o aspecto positivo - que a novidade trará aos filhos, ainda que, alguns adiem instintivamente apresentar-lhes este novo mundo.<br /><strong>As escolas, assim que se inicia o 5º ano, exigem trabalho de pesquisa que também integre a Internet como ferramenta. A intenção é excelente, mas raramente se encontra inserida num projecto sólido que ensine as crianças a serem cuidadosas.</strong> E estas navegam a sério e com desembaraço em pouco tempo. E navegam facilmente para longe da costa. E muitos pais não estão cientes ou até preparados para se aperceberem disso. Alguns porque pertencem a gerações que se mantiveram afastadas da informática, outros porque olham para os filhos como crianças que numa banca de jornais só espreitarão as revistas infantis.<br />E a Internet é uma imensa banca de jornais e revistas com todo tipo de temas à disposição. E infelizmente, muitas das imagens irão ser nocivas, além da facilidade de contacto com seres que pretendem algo mais dos nossos filhos, se não nos mantivermos atentos.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-11752421937687676822007-04-10T12:02:00.000+00:002007-04-11T11:56:35.530+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Quem bate em quem?</span></strong><br /><br /><strong>A violência sobre a mulher tem sido amplamente debatida.</strong><br /><strong>Mas nesta questão, continuam a ser deixadas para trás as crianças. E é imperativo que exista a noção de que a violência é também praticada em larga escala contra estas. Com a nossa autorização. No seio da própria família.</strong><br />Continua a ser não ser considerado incorrecto o uso de violência física como parte integrante do ensino de uma criança. Como se o uso da força, por ser aparentemente educativa, possa perder a sua conotação de violência.<br />Parece-me inexplicável que sendo grave, e até passível de ser punível por lei, um adulto agredir outro adulto - de massa corporal relativamente similar - seja no entanto, perfeitamente aceitável, que esse mesmo adulto utilize a agressão física para disciplinar uma criança, cuja massa corporal é, muito provavelmente, um terço ou um quarto da sua.<br />O que muda neste quadro? A forma psicológica de encarar a violência que, apelidada de disciplina, se torna aceite por todos? É inadmissível que esta situação, que ocorre em inúmeros agregados familiares, continue a passar em branco. Uma realidade constantemente desculpada com a justificação de que se utiliza a força de forma controlada.<br />Quando chegamos ao fundo da questão, no entanto, deparamo-nos com crianças que sofreram agressões que já ultrapassaram há muito os nossos limites psicológicos do que é aceitável. Ninguém se dera conta porque as crianças, muitas vezes, se transformaram em seres invisíveis. Para quantas pessoas é comum o filho do vizinho que grita desalmadamente porque... "por alguma razão será"?<br />Todos ficamos profundamente chocados se presenciarmos um homem a bater numa mulher. E é comum que alguém intervenha. Mas se um pai bate no filho, a sensação de desconforto é calada e é raro interferirmos. Vindo ao de cima a ideia enraizada de que não nos devemos intrometer na educação que cada um dá à sua família.<br />Assim se pensava em relação às mulheres. Havia o dever de "educá-las", se necessário, pela agressão física. Estas passavam das mãos, pouco delicadas de um pai, para as de um marido que as manteria debaixo da mesma forma de violência. Não será afinal a herança desta mentalidade que mantemos para com as crianças? Persistindo na despenalização de "gigantes" que de mão em riste educam... ou matam?Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-13969246633037635242007-04-10T11:16:00.000+00:002007-04-10T13:26:48.283+00:00<strong><span style="font-size:180%;"><br />Desemprego e/ou o desespero</span></strong><br /><br /><a href="http://photos1.blogger.com/blogger/1993/154/1600/Voz03%20copy4.jpg"></a>"Centro de emprego" - Instituto de emprego e formação profissional - não é mais do que um nome e provavelmente se lhe chamassem de "centro de desempregados", honraria melhor o apelido. O semblante dos que chegam demonstra bem o que vai na alma de cada. A derrota inunda o ambiente ainda antes de serem dadas as informações necessárias para que os formulários fiquem completos. E será que ficam? É-se reduzido, à pressa, a um código identificativo retirado de uma listagem de profissões sempre desactualizada.<br /><strong>Dos vários - ou nenhuns - empregos à disposição, um dos mais recorrentes é o de "coveiro". Mas por ali, as pessoas aparentam já ter assistido ao próprio enterro e pouca ou nenhuma vontade de enterrar mais mortos. Vive-se um período em que entrar no "Instituto de emprego e formação profissional" apenas significa estar desempregado. </strong><br />A sala enche-se diariamente de um desânimo depressivo, sem dó nem piedade para os que entram e para os que já lá estão. Toda gente se mantém, no entanto, atenta à numeração que se sucede em visores electrónicos - algo se modernizou - que lhes indica quando chegará a sua vez. Só que já chegou. Já receberam a carta de despedimento, o já "não precisa de vir amanhã", o já "não precisamos mais de si". Já se reuniram com o rosto sombrio da incredulidade e insegurança que os perseguirá durante meses. Já foram facilmente descartados, acusados, pisados ou anulados. Muitos foram reduzidos a emoções caóticas que ainda não sabem gerir.<br /><br />Ir ao "centro de emprego" é um acto que se torna compulsivo após a morte de uma etapa da vida profissional. Não há fuga. Tem que se enfrentar toda essa burocracia mesmo que ainda não tenha sido possível assimilar a situação. Por isso quando ali chegam ainda tentam disfarçar. Mas fingem tão mal que é palpável a indiferença que aparentam perante o óbvio que todos partilham, o medo. Os números passam. Vão enrolando ou dobrando, vezes sem conta, a senha que lhes calhou. Bem vestidos, mal vestidos, assim-assim... Mães com crianças. De todas as raças, de todas as idades, de todos os credos.<br />E desses, raros são os que reparam numa outra área emocional, reservada aos "veteranos" que aguardam sem reacção por mais uma reunião - ao serem chamados pelos administrativos do centro, assemelham-se a um rebanho cordato - em que lhes será demonstrado pela terceira ou quarta vez que um desempregado de longa duração "não desconta para a segurança social" e que isso "é uma mais valia para a empresa empregadora".<br />Não fosse a empresa empregadora preferir recibos verdes, já ter gente a receber parte do ordenado "por fora" e a preencher falsas "ajudas de custo" e não precisar desse género de mais valias. Não fosse já um dado adquirido que no "centro de emprego" se tem que comparecer e o resto são papéis para arquivo.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-86440750772589570792007-04-10T10:59:00.000+00:002007-04-10T12:57:44.985+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Des (Humanidades)</span></strong><br /><br /><strong>Atropelada. Não me ergo. Deixei de saber erguer-me. Belisco-me - vi demasiados filme - afinal as pessoas de carne e osso também se beliscam para perceber se a realidade existe. Afinal não é um sonho, é provavelmente um pesadelo. Muitas pessoas, todos desejam ver-me. A fama em forma de punhaladas no peito.</strong> Respiro mal. Esfuma-se tudo, as caras, os sons, a curiosidade. "Nome? morada?" As ruas de Lisboa... Não sabia que podiam doer tanto. "Nome, morada... idade?" Porque é que ele não se cala? E as ruas de Lisboa doem, moem. Deixe-me ficar calada. Só um bocadinho.<br />Gente, demasiada gente, uma multidão de camas que não são camas. Demasiada gente. Custa-me tanto respirar. Não vejo sangue em mim. Não vão dar por mim. Mas reparam porque alguém entrou e grita, "Ela pode ter hemorragias internas, doutor!" Tanta gente, tantas macas. "É giro não é? O médico?" Dói tudo. Um sorriso por se ouvir algo que não é habitual nela. "Sim mãe, é giro", imagino que lhe respondo. Salvou-me a vida. Eram demasiadas macas, demasiada gente. O sangue alastrava, invisível... A roupa desaparece. Cortam-na. Não faz mal. Já não vejo nada. "Mude-se para aqui". Deve ser para outra maca. Uma voz feminina, metálica, ordena-me o impossível. Não consigo vê-la, apenas a oiço. Não consigo. Não faz mal. Paciência.<br />Começam os tubos. Não os sinto entrar. "Vai ser operada" Ainda bem! A anestesia adormece tudo.<br />Depois começa a verdadeira realidade. O após. A dependência dos outros. Sangue. Soros. Tubos para tudo. Até para vomitarmos. Despem-nos. Lavam-nos. As arrastadeiras. A urina nos lençóis, mudados conforme a disponibilidade ou as emoções do turno de enfermagem. Alguns desses seres humanos - rio-me - escolheram uma profissão que nunca se lhes moldará à carne. A urina nos lençóis torna-se gelada e finalmente as lágrimas escorrem.<br />Dói tudo, está tudo revolvido, não se bebe, não se come. Os tubos saram-nos. Mas não mudam lençóis. E cede-se.<br />Tudo gira em torno de ritmos certos. À hora certa, as injecções certas, os medicamentos correctos. As visitas da equipa médica. A nudez sem aviso. Retiram-me os lençóis como se não estivesse ali. Já não faz mal. O irreal comanda. Até o cheiro que vem da cozinha e me dá náuseas parece pertencer a um outro mundo. As conversas tardias sentem-se. Pesadelos. Gemidos.<br /><strong>Somos coisas. Coisas que pedem um auxílio excessivas vezes negado. Alguém ao nosso lado pergunta "Queres ajuda?". São os seres deitados ao nosso lado, em camas iguais à nossa que se entre ajudam. Um gesto, um sorriso. Uma anedota. Não há doutoras ou prostitutas. Jovens ou velhas. É uma amálgama de seres que precisam desesperadamente de se sentir gente.<br /></strong><br />Os tubos vão desaparecendo. Uma a um. Já há bolachas na gaveta. Mas abdico delas. Pequenas baratas invadiram-nas primeiro. "Uma barata no tecto em cima da tua cama! Aí vai ela... Espera! Vai bater com os cornos!". Um esgar, é impossível não ter vontade de rir. Hoje as baratas. Ontem o pequeno rato dançarino. Comenta-se que durante a noite teria entrado na cama de alguém. Usou-se insecticida para "desratizar a situação". Como não há nada de novo e a rotina é sempre a mesma e o rato torna-se-me numa mini atracção neste circo de loucos. Parece um hamster. "Isto é que são ratos?", penso, "Olá, pequeno rato".<br /><br />Numa cama morre alguém. Desinfecta-se tudo. A vida - a dos outros - segue em frente. Lá muito ao fundo, e é tão perto e tão longe, alguém que se mantém sempre mudo fixa uma arrastadeira, negando-a. Afinal enganou-se. Um erro fatal quando se é uma coisa. A idade avançada tolheu-lhe o pedido rápido. "Afinal não queria... É mesmo porca!", conspurca-nos a todas a voz de uma das "nazis".<br />Catalogara-as a todas. Assim que as dores são aceitáveis, o vazio que decorre entre visitas dá-nos um poder de observação extremamente aguçado. Até a médica estagiária fora catalogada. Miúda acanhada perante nós. Porque as temidas eram as enfermeiras. Observavam-se subornos - pequenos presentinhos - de mulheres que tentavam obter "melhor" tratamento. Catalogara os turnos, as mulheres de bata branca. Algumas, poucas, eram pessoas a sério. E quando se está à mercê de todos, uma pessoa a sério é imprescindível. Outras, secas mas eficazes. Uma ou outra... real. Aquela ali, aquela... era sempre alegre. E as "nazis"... neuróticas que achavam que um dia já tinham estado também numa cama a estagiar para coisa, e isso lhes dava o poder de nada sentirem.<br />Talvez por isso... nunca tenha esquecido os cuidados intensivos. Estava-se entre a vida e a morte mas havia por lá gente a sério. Seres humanos, escrito a maiúsculas....<br /><br /><br /><div align="left"><em>Dezembro de 1985. Lisboa.</em></div><br />Urgências. Porque é urgente. Outro hospital. Outras paredes sujas de apatia. Um silêncio diferente porque se está na periferia. A letargia contagia-se a todos os seres que observo. "Tome..." - bebo o líquido amargo - "Já está? Boa tarde...". Não há um olhar.<br /><br /><em>Janeiro de 2005. Barreiro.</em>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-52365379893957289302007-04-10T10:44:00.000+00:002007-04-10T12:47:30.360+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Indiferença</span></strong><br /><br />Os projectores que iluminam as arcadas da Praça do Comércio ferem-me a vista. Só abrando o ritmo longe do seu alcance, para poder observar o desenrolar dos preparativos para a passagem do ano. Um café em dias especiais como os que se vão seguir, custa um euro e meio numa tenda qualquer disfarçada de esplanada da moda.<br />Mas em noites vulgares, como quando por aqui passo, não me interessa porque está fresco e nem sequer bebo café. Faltam poucos minutos para o barco partir. Tonalidades coloridas invadem o património da cidade. A todo momento, e porque é Natal, espero que surja um daqueles anúncios a créditos, casas, electrodomésticos.<br />Revivo saudosista o encerramento do "Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura", em que misturada com a mole humana que invadiu o Terreiro do Paço, assisti ao mais belo fogo de artifício que permanece naquele conceito um pouco gasto que dizem ser o nosso imaginário. As festas, fossem quais fossem, eram mais a sério. Não sabiam tanto a atordoamento mental. Estava-se ali e pronto. Não se cogitava se o metro devia ou não esventrar a cidade, se esta estava ou não esventrada, ou se os barcos que ali atracavam eram carcaças envelhecidas.<br />Os barcos. Queixam-se agora as gentes que não se pode sentir o vento ao vivo. Mas o progresso tem um preço. E há quem prefira uma viagem curta e confortável, a sentir o vento, porque às onze da noite já se está demasiado esgotado para pensar em mais alguma coisa que não seja metro, autocarro, metro, barco, autocarro, casa.<br />Abram-se as janelas depois em casa e sinta-se o vento e a noite. E dê-se a volta ao mundo durante algumas horas de sono que adiam o dia seguinte. Depois recomeçará tudo novamente. Sabido que é, que os amanhãs cíclicos são a mais pura das verdades. Agora. Que antes não era nada connosco. Não fazia parte do passado ou do presente, e o futuro era muito lá ao fundo.Víamos as rugas apenas nos outros. Mas a realidade é que não víamos nada. Nunca era nada connosco. <strong>E a batalha para nós só começou agora. A batalha que se trava por mais um amanhã, só mais um, para aumentar uns centímetros ao ecrã de televisão. Para aumentar uns metros à sala e já agora mais uma casa de banho para as visitas poderem comentar que não gostam dos azulejos.<br /></strong><br />Não sobra tempo, não sobra tempo para nada."Lá no emprego não me vão deixar faltar mais um dia, mãezinha, por favor fica-me com a menina. Sim? Juro que para a semana o Luís te dá um jeito ao esquentador. Desculpa vir de corrida mas só vim buscar a miúda. Não deixei nada preparado para o jantar e a roupa está pendurada a apanhar chuva... - Caramba, mãe? Ainda por cima o meu quarto está na mesma, mãe! Não podias ter deitado fora o meu quarto para não sentir esta vontade estúpida de me deixar ficar? - Os pais do Luís fizeram uma salita no quarto dele, para o pai ver a bola à vontade. Não gostavas de ter uma televisão só para ti? Se o subsídio não se for todo embora, juro que te ofereço uma, para poderes ver a novela. Olha... Ficas com o meu quarto para a tua televisão. Faz melhor ainda, muda de quarto! Beijos mãe, até amanhã!"<br /><br />A luz intensíssima dos projectores na Praça do Comércio denuncia restos de seres humanos caídos pelo chão, por entre as arcadas. Sim, restos. Sobras da sociedade, envolvidas em cobertores velhos que já não cheiram a nada, de tanto que cheiram a tudo. Como lhes é possível dormir? Adormecem de cansaço, apatia? A mim, as luzes cegar-me-iam.<br />Observo-os de longe, deste lado do microscópio. Vejo neles a letargia de um país que já mal se reflecte no brilho dos olhares. Fujo. Mas no caminho que me leva ao terminal dos barcos mora o "meu" sem-abrigo. Já só faço conjecturas vendo-o ali adormecido entre caixotes de papelão. Que mais fará durante o dia para além de dar milho aos pombos que Lisboa preferia não ter? Que fará ele para além de arrastar os pertences numa velha saca de compras com rodas?<br />Vi-o parado, um dia destes, no meio de numa serpentina interminável de gente à espera de mais um transporte, a ler a Visão. Será que ele já alguma vez a leu numa esplanada da praia de Carcavelos?<br />Ou as perguntas que faço são apenas o medo que temos da dar connosco a ler uma revista qualquer, num outro dia qualquer, com a vida enfiada às pressas em sacos? Quero cerrar os olhos. Não desejo soçobrar entre os destroços dos que dormem ao relento. E no entanto é assim que sabemos que ainda não fomos totalmente mastigados pela engrenagem. Ainda resta o medo que só se dissolve quando atingimos a mais profunda indiferença.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-37414044803811535512007-04-10T10:33:00.000+00:002007-04-10T12:52:30.915+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Futuros em duplicado</span></strong><br /><br />Os miúdos sucedem-se, as crises precedem-nos e nenhum problema será resolvido a fundo ou eliminado. Aprendem eles, e eu a lidar o melhor que lhes é possível com um futuro que jamais integrará determinados objectivos do passado. Presenças a dois. Que eles desejariam ter podido manter por mais que alguns minutos breves que agora lhes é permitido sentir nos momentos em que são trocados de mão. De tempos presentes e que ainda estão por ser nem os imaginavam. Mas adivinharam-nos às cegas e vêm parar-me aos braços, com a inocência reduzida a metade.<br /><br />Aos pais falta-lhes a aliança, o espaço ocupado no dedo anelar. Notam-se os dias de praia e o vazio deixado pelo aro dourado. E muitas vezes nota-se a falta de vontade para assumir os espaços em branco, o que corresponderia a algo que prescreveria a muitos. Mas eles preenchem-nos na mesma, quer seja na escuridão ou na raiva contida e em silêncios, quase sem darem por isso. O que sei é que nessas alturas também enfrento olhares de menino grandes que precisam de crescer. Os pais. Perdidos durante algum tempo nos espaços em branco que estão determinados a esconder nem que seja com fita-cola. Os pais. Porque os filhos se tornaram adultos. Passaram a saber o que querem. Mas não podem proferir pareceres em conselhos familiares. São crianças. As crianças são por definição seres expostos a futuros que raríssimas vezes decidirão.<br /><br />Os pais separam-se e evoluem, sem retrocesso, a sós. Cada vez mais longínquos do que seria a dois, a educação dos filhos. Convencidos, no entanto, que por ajustarem algumas agulhas será possível manter o esboço primitivo. E os filhos, atafulhados de amor em duplicado e triplicado - e ódios silenciados - transformam o coração em caixas Tupperware, que abrem ou fecham consoante o que páginas autenticadas numa conservatória, ditaram. Alguns caracteres definidos sem mágoas exteriorizadas em voz alta ou apenas pela lei. Hoje, levanta-se a tampa da caixa lilás porque se fica com a mamã. Amanhã, abre-se a caixinha azul porque se está com o papá. As emoções passam a ser às cores. E os restantes familiares acabam noutras tantas caixas de tonalidades diversas. Já não se vai para casa.<br /><br />"A minha casa" é demasiado curto. Não explica nada. Está-se em casa da mãe, do pai, dos avós, dos tios ou dos primos. São muitas casas ou nenhuma. Sem ser como casal, os pais vêem os segundos escoar-se-lhes por entre os dedos. Um sabe do trabalho de casa e o outro da aula de natação. Um diz que se come um gelado e o outro trata da ferida que sara ainda nem se agarrou na mochila para se ir embora. Os miúdos aprendem a viver de mochila às costas. Enfiam nela roupas, valores e mágoas difusas. Aprendem a adaptar-se ao que nunca quiseram. Aprendem a aceitar ou até a rodear as normas que cada pólo gera. Muitas vezes riem, algumas choram. As crianças dos quartos cheios de brinquedos, acumulados em prateleiras, caixas, gavetas e baús, e por fim esquecidos. Os miúdos de sonhos em quartos reeditados, das colecções infindáveis de bonecas, carrinhos e telemóveis. Que vão sabendo de que é feito este novo amor dos pais. Das recompensas pelas horas que passam de mochila às costas de uma casa para a outra. Da vontade de os ver sorrir sem doer.<br /><br />O facto de não os poder observar nas respectivas casas deixa-me a adivinhar pela metade. Numa hora, confissão, medos, lágrimas ou sorrisos que surgem dos contornos das palavras que consigo resgatar. Com maior ou menor mérito. Conversam longamente comigo, os garotos de vidas, casas e quartos em duplicado. Dos sentimentos ao cubo. E até os pais que já alcançaram algum equilíbrio nas suas próprias vidas, têm que aceitar que estão a amar e a educar filhos com vidas multiplicadas até ao infinito.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-61712922457380681842007-04-10T10:27:00.000+00:002007-04-11T11:44:41.886+00:00Um projecto é para toda a vida.Nunca achaste que isto de artes tivesse futuro. "Artista!" - pensaste - "Aos quinze anos vai ser artista!?" - Eu também não percebia muito bem o que era isso de escolher artes. Ou que a António Arroio também era para miúdas como eu. Mas foi assim que ficou decidido. Eu na António Arroio e tu a achares que eu ia ser artista.<br /><br />Desde esses quinze anos bem garotos, mantive-me fiel à escolha que me deram de mão beijada. Mais artista menos artista, tornei-me publicitária. Repara... Não é bem artista, é publicitária. Os publicitários são eternos vendedores de ilusões.<br /><br />Imagino de tudo um pouco para convencer de "a" a "z". Simulo realidades, retoco imagens e mentiras. Um pintor não inventa paisagens que não existem? Uso a mesma paleta de cores. Escolho-as perante um cliente, um "target", um "budget". É a arte misturada com um almoço ou um jantar à pressa, com uma directa ou com o silêncio da noite.<br /><br />As minhas telas começam em ecrãs de dezassete polegadas e entranham-se pelo hardware dos computadores que utilizo. Vejo-as depois, impressas, por aí, nas mãos de seres anónimos que não me conhecem. Porque nem todos os publicitários aparecem em ecrãs de televisão ou em crónicas de revistas.<br /><br />Procuro nas novas tecnologias, por vezes, breves instantes de paragem no tempo como quando observo um filtro novo, tantas vezes inútil, mas belo, para o Photoshop. Mas os publicitários não se fazem com filtros, fazem-se com a alma, com a intensidade com que criam ou transformam conceitos em sensações.<br /><br />Também tu te deixavas seduzir pelas novas tecnologias, fez sempre parte do teu universo essa constante busca de futuro. Sei que hoje, se te mostrasse no site da Apple, o powerbook – fininho fininho - que penso adquirir, tu o prático e eu a sonhadora, teriamos algo de concreto, em comum, para além das tuas dúvidas sobre a constante mudança em que vivo. Porque um computador é algo de palpável. Mas nunca chegámos a ter tempo para falar sobre publicidade, mentiras, verdades ou powerbooks.<br /><br />Hoje, dezanove de Março, fotografo-te mentalmente, escrevo um texto, faço de ti um projecto - "os publicitários são eternos vendedores de ilusões" - que sei, terei que acabar por guardar na pasta das memórias. E no entanto sorrio, um desses sorrisos que os teus genes me ensinaram. Porque tal como a realidade, também os projectos fazem sempre parte de nós, não se deitam no "trash".Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-16121109493101477692007-04-10T10:22:00.000+00:002007-04-17T12:54:51.118+00:00<span style="font-size:180%;"><strong>Nas "apples" também nascem "blogs".</strong></span><br /><br />Dou voltas à cabeça de forma a encontrar uma personagem que encarne em condições o meu eu "bloguiano". Um eu que seja mais do que apenas eu. Que seja eu e não o seja. Um eu que possa ser um "travesti" da alma sem ser forçado, errado, estranho ou até que faça pouco sentido. Que num dia use jeans, e no outro se vista a rigor. Que possa ser mulher ou homem. Que possa ser um gato ou apenas notícia numa página de jornal.<br /><br />O blog, o meu blog, nasceu há um ano, altura de início de muitos blogs. Era a minha contribuição para a comunidade dos blogs, numa forma de livro virtual. Mas ficou parado no tempo, com apenas três ou quatro frases.<br /><br />Recriminava-me sempre, por não o ter principiado antes. Tenho a terrível mania de achar, que nisto de escrever ou escrevinhar - sim, mesmo que sejam apenas banalidades - deve existir princípio, meio e fim. Detesto os calendário, recebidos a meio do ano, que ficam arrumados, intocados, em algum canto.A minha personagem principal não concorda comigo - aliás, raramente concorda. Mostra-me um velho calendário do ano de 68 – encontrado em que bancada da Feira da Ladra? - e rabisca no dia 20 do mês de Julho: Escrever um blog. - Já está, já o iniciaste! - grita-me animado, e depois pisca-me um olho...<br /><br />Digo-lhe que comete um erro, que em tal data nem se sabia ainda o que eram blogs. Mau! - resmunga ele entre dentes - Assim não faz sentido, um blog não é um livro? Explico-lhe que pode ser um livro, um diário ou até uma manta de retalhos daquilo que se queira. Que pode ser constituído apenas por palavras incoerentes, ou, e rio-me, apenas colocar lá o código do multibanco. Muito inteligente! - Troça irritada, a minha personagem de expressão azul glaciar.<br /><br />Não será inteligente, mas o blog é meu e o computador em que te imagino também é meu! - Sempre fui teimosa...<br /><br />Não gosto de Macs! Computadores para meninas, branquinhos, redondinhos! - reage com um sorriso sarcástico. E, reparo, tem um sorriso idêntico ao meu, excepto na ironia. Não gostas do eMac - fervo de indignação! - e dizes-mo assim, sem pensar duas vezes. Sabias que outros o idolatram? Os Macs são máquinas poderosas, dignas de disputas verbais numa mesa de café. E tu, só porque não gostas de conversas tolas de café, decides que também não gostas do meu computador!O tom irónico ainda ecoa nos meus pensamentos - “Computadores para meninas, branquinhos, redondinhos!”…<br /><br />Mas é isso mesmo que sou! Um pensamento feminino! Por isso te transformei na minha personagem principal. Porquê? - Questionas-me desconfiado, tal como a neta que leva a cesta à avó e encontra, por vez desta, o lobo. Porquê? - Insistia ela perante o olhar insidioso do lobo. Respondo-te, tal como o lobo na sua gula, que é para te ver, ouvir e cheirar melhor... E acrescento, para entender-te, e até, recriar-te melhor. Conheço o ser humano no seu todo, mas não a ti, igual a mim, apenas diferindo em género. Arre! Cada dia que passa, tornas-te mais ininteligível!<br /><br />Não necessitaria de caracteres inseridos num blog para te analisar, mas fazê-lo assim, diverte-me e facilita-me o acesso a comentários de terceiros. Transformo-te na minha tese de passagem à meia-idade. E um dia destes, quando eu tiver a percepção real de quem és, poderás continuar a exibir esse teu sorriso irónico, mas garanto-te, ainda hás-de vir a gostar deste meu computador branquinho e redondinho de menina!Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-66167601702441746622007-04-10T10:07:00.000+00:002007-04-11T11:59:06.175+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Feeling Blue<br /></span></strong><br /><strong>Da porta posso observar os computadores e os seus respectivos donos temporários, gente miúda com o brilho do momento presente no olhar. Fixo os rostos atentos e tento dissimular a minha indiferença que os vai desfocando no meu campo de visão.</strong> Sei que hoje, como sempre, não se limitarão a absorver informação, colocarão dúvidas e argumentarão. E hoje verbalizar seja o que for, parece-me extenuante.A sala “Arco-íris”, como lhe chamamos, fora planeada a pensar nas classes mais jovens, aproveitando uma folga financeira da escola e a chegada ao mercado dos novos iMacs, “maquinetas” da Apple com um colorido inspirado numa escala Pantone. O restante material, das cadeiras aos tapetes para mouse, tudo combina com o ar alegre dos computadores.<br /><br />Um homem não chora...<br /><br />O sol atravessa a sala e a porta escancarada recorta a minha silhueta contra os meios-tons sombrios do corredor. Murmuro uma desculpa esfarrapada e viro-lhes costas. A eles, à sala que concebi, às máquinas dotadas de sistemas que tentam igualar a perfeição, à revelia da realidade, desafiando-me. Todas aquelas cores me gritam, sugerindo-me falhas humanas. No corredor, cruzo-me com um dos alunos. Na escuridão ampliada pela sensação de túnel, consigo perceber uns olhos azuis no rosto de traços infantis, sustentando-me o olhar com a mesma confiança ilimitada com que também eu encarava em criança, os adultos. As suas aparentes certezas proporcionavam a segurança necessária ao meu ainda diminuto mundo. Crescera a confiar na infalibilidade dos adultos, das suas convicções, que transformara em verdades absolutas, estruturando-as posteriormente para não serem submetidas a testes, quer pelos outros, quer por mim próprio.<br /><br />Um homem não chora...<br /><br />Num universo paralelo, com gestos esquivos e mal me fitando, ela começara por dizer que estava cansada, farta… Li-lhe no rosto o final do discurso e percebi que não valia a pena argumentar a favor do que, naquele preciso momento, deixara de existir. O tempo parou. E com ele a minha racionalidade. Com a saída dela, ruía o que edificáramos. Ela denominava-o agora de utópico. Perdi-me numa raiva profunda por não ter antecipado a situação. E a raiva espraiou-se pela humanidade, retornando depois a nós, como num jogo de pingue-pongue, contaminando tudo à nossa volta. Afundava-me na incapacidade de alterar o que quer que fosse. Sabia que ela não estava cansada ou farta. Simplesmente desertava, preferindo algo lhe permitisse o embalo monocórdico da segurança.<br /><br />Um homem não chora...<br /><br />Saio do metro, caminho sem vontade por uma avenida que não parece dizer-me nada e observo vagamente a fachada em pedra, a imensidão suja do velho edifício que num outro dia qualquer iria absorver-me. Mas hoje não me interessa se Lisboa se tornou suja. Os estores estão fechados. Empurro a porta. Apenas. Máquinas. Máquinas que permanecem silenciosas, atentas a qualquer impulso humano que as faça acordar para a vida. O atelier é uma reprodução mais amadurecida da sala “Arco-íris”. A criatividade é uma constante de matizes diversos, e fizera sentido aproveitar a genialidade do design dos “Macs”. E quando o atelier adquirira vida própria, transformaram-se no centro das atenções de clientes e amigos. Cada um dos dois escolhera a cor com que se identificava mais, e como se fossemos decoradores de interiores diplomados, e não publicitários, centráramos toda a evolução da personalidade visual do atelier, nos iMacs.<br /><br />Um homem não chora...<br /><br />O silêncio é tremendo. Sinto uma agonia que me devora. Ela já cá esteve. Riscou o “Magenta” da minha vida sem olhar duas vezes para trás. Resta apenas uma tonalidade… Encaminho-me até à mesa onde preparámos centenas de maquetes - que agora parecem ter perdido o sentido - e agarro no primeiro guia Pantone que encontro. Os sentimentos arrastados para uma voragem de vazio. Escorrego contra uma parede preenchida por maquetes, fotografias, datas, brieffings, arrastando tudo comigo. Arranco todas folhas que contenham magentas – sejam cem por cento puros ou contenham restos de cyan - como se fosse possível arrancar-me da alma a raiva contra os que desistem sem dar luta. Um homem não chora... Mas hoje não sou nem homem nem mulher. Sou o “Azul” que não pára de gritar à minha volta.<br /><br />Hoje permito-me chorar. Amanhã comprarei um novo guia Pantone.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-32926198571267510702007-04-10T09:57:00.000+00:002007-04-11T11:54:45.735+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Caixotes e caixotes por decifrar...</span></strong><br /><br />O conjunto de chá da loja do Gato Preto talvez esteja em cacos... Não os tachos, que são inquebráveis e nem uma amolgadela lhes embaraça o brilho do aço - pensei que os querias mas sei que os deixaste.Livros por reler... Memórias enfiadas à pressa entre esferovite e pedaços de jornal para acordarem intactas quando o x-acto, os olhos, as mãos e a coragem desselassem tudo...<br /><br />O cheiro do mar persegue-me a cada caixote que quero abrir, como incenso que se incendeia sem permissão. Deixei o pó acumular-se. O perfume do mar está presente em todas as linhas do meu destino e o que seria de mim, a pressenti-lo, presa na teia em que me enredei... Poderia gritar. Mas não faria sentido desperdiçar palavras no vazio que outrora foi uma multidão, nem em parágrafos violentos que ficariam sem resposta.<br /><br />Hoje nem sequer te recrimino. Em contrapartida também não o faço comigo mesma. Poderia justificar-me, mas creio que estamos em pé de igualdade. Apenas te foi mais fácil censurar a minha desistência tão evidente. Porque a tua foi gradual e imperceptível... Sem nome nem apelido. Não foi? Sempre conheceste todos os atalhos de cor enquanto eu pairava pelo desconhecido. E como vagueei... Desejo? Não sei... Anseio? É-me indiferente. Mal me quer, bem me quer, mal me quer...<br /><br /><strong>Certamente que "nós", deixámos muito antes de o ser. Pertenceste sempre a um conjunto de factos óbvios. Barro que o artista usou para uma obra há muito delineada, consumada. Parte de um todo, invisível para alguns, é certo, mas apreciado por muitos. Eu sentia-me só, ínfima...</strong> Fragmento desse mesmo barro, escorreguei das mãos do artista e cai com um baque. Um pontapé inesperado obrigou-me a rodopiar pelos ladrilhos argilosos qual pião. A indolência interveio. Quedei-me num canto, entre a poeira dos dias que acontecem, aguardando que o artista reparasse em mim... e me transformasse em cabelos soltos ao vento - esse vento que se desprende do desconhecido - antes que o tempo que fugia me encontrasse já pedra. E o tempo passou...<br /><br />Sou e sempre fui paciente...<br /><br />Mas os caixotes têm que ser decifrados! E o artista deverá reparar em mim! Grão de areia nestas páginas ambíguas! Bem me quero...E grito! Que interessa se aparento estar emudecida! Grito!E sopra uma brisa e o artista desvenda-me e abro caixotes e já é de manhã e a claridade esbate-se serenamente nos cabelos e no vento que o artista modela.<br /><br />O oceano aguarda-me...Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-58666923535348296122007-04-10T09:41:00.000+00:002007-04-10T10:15:10.313+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Analogias virtuais...</span></strong><br /><br /><strong>Sente-se só.</strong> De pé, entre as paredes pontilhadas de fragmentos de vida - fotografias, recortes de revista, post-its e maquetas - repara no piscar das minúsculas luzes do modem que lhe mostram que este iniciou o seu mutismo. Não poderá durante demasiado tempo, sabe, caminhar pelo corredor - é assim que ela imagina o mundo virtual, um corredor por onde todos se passeiam, falando-se ou não, numa multidão de vozes quase sempre sem som e tantas vezes anónimas, ou quem sabe, fazer apenas fazer uma pesquisa, espreitar um blog, uma notícia...<br /><br /><strong></strong><strong>Sente medo.</strong> Observa o velho Mac - um computador que a que o tempo roubou pressas mas que ainda ostenta orgulhosamente o logo colorido da maçã - mantém-se silencioso. Acorda-o com um toque suave no rato. Não quer ficar sozinha... Por toda a casa encontrou vestígios recentes de vazio. Um livro, um cinzeiro ou uma moldura que deixou o seu traçado no pó fino que permanece nos móveis. Cada objecto transformou-se numa peça de partilha, parte de um puzzle que nunca irá completar. Achava-se mais forte, mas o medo surgiu mascarado de noite e de sombras. Já não pode refugiar-se no corredor virtual.<br /><strong></strong><br /><strong>Pára no tempo.</strong> Leu em criança demasiados contos de fadas, e já adulta, coleccionou do mundo real apenas o que lhe interessou. Recusou-se a catalogar o cinzento do mundo e remeteu-o desordenadamente para caixas de cartão, que mantém num sótão reservado para o que considera proibido. E um dia, abruptamente, começou também a riscar o futuro - um futuro imaginado, que em tempos se entretinha a desenhar delicadamente, como se estivesse na primeira classe a treinar o alfabeto - riscou-o com violência, até rasgar a folha. Mas riscou-o já demasiado autêntico.<br /><br /><strong>Fixa o ecrã.</strong> Na vida não se fazem rascunhos, não há "maça, z", nem "control, z". Não se fazem updates à felicidade ou desfragmentações ao sofrimento. Hipnotizada pelos pensamentos, projecta mentalmente circunferências, vectores sem alma ou defeito que refaz na perfeição, como se fosse possível a perfeição se imitada por uma máquina. É fácil gerir a nossa mente perante um documento em branco, que em nada nos questiona. Esse vazio de cada novo documento parece despertar-nos a capacidade de recomeçar. Alguns toques no teclado e no ecrã os círculos adquirem, aleatoriamente, tonalidades e transparências suaves.<br /><br /><strong>Relembra.</strong> Há um ano atrás, o primeiro disco rígido do computador morreu. Alguns gigas de tudo e de nada desapareceram. Durante dias catalogou o que se encontrava preso no interior da peça fria e inacessível de hardware, cada fragmento de informação que nunca mais seria imagem, som ou vector. Perante a inevitável perda de toda a informação, refez os trabalhos a decorrer à data do incidente e arquivou os restantes - aqueles que mais sorrisos tinham feito surgir - na área que o cérebro dedica ao não esquecimento.<br /><br /><strong>Sorri.</strong> Sempre se refugiou em analogias para assimilar o traçado invisível da vida - como em criança entendeu, através dos infinitos numéricos, que o seu querido céu de brilhos vários também não tinha fim. É agora uma máquina - um aglomerado de plásticos e hardware sem vida - que a ensina. O passado permanece, nunca desaparece no vazio. Transforma-se em fragmentos de memória.Respira fundo. Retira finalmente todas as ligações ao modem.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-49554436443847594092007-04-06T17:32:00.000+00:002007-04-11T11:48:05.734+00:00"pdi"A "puta da idade"<span>ou a ironia para a inevitável crise dos trinta quando plenos de dúvidas existenciais sobre o que parecia ficar por satisfazer, esta vestia tão bem as culpas de tudo. Até cada pequena ruga era registada e guardada num ficheiro com extensão "pdi". Sentíamo-nos protegidos por uma saudável cortina de insanidade juvenil. Com rigor dir-se-ia que nada nos atingia a não ser a impaciência própria da juventude, com aquelas dúvidas que assomam vagamente os planos traçados, e quem sabe, a noção de umas quantas semi-finais inconclusivas. </span><br /><br />Entendo agora<a name="OLE_LINK1">*</a> que não era nada disso. A "puta da idade" é olhar em redor e vermo-nos tal como também somos, esboços falíveis de vidas labirínticas. Éramos tão jovens... Possuíamos portões de madeira maciça - fechados a sete chaves - e protegíamo-nos da passagem do tempo, das mortes emocionais dos incógnitos, das agonias que empurram tantos e tantos para as esquinas que habitam as sombras... Sombras que desconhecíamos.<br /><br />Era demasiado fácil. E enxergamos hoje - sem fuga - que as portadas se desmoronam com inexaurível exactidão. Fomos delapidando o tempo em corredores de imaginários castelos de areia, e agora, vida e morte, apresentam-se-nos à porta e ensinam-nos que a tal "puta da idade" não é o que julgávamos. Não... não é uma brincadeira de miúdos imortais...<br /><br />E eu? Que pensava? Enfrentava o meu reflexo no espelho e era só eu, sem rugas, só revolta pessoal. Era dona e senhora de uma legislação própria sobre a angústia. E abruptamente a revolta, a angústia e o destino dos outros emergiu arquejante, numa fúria assassina e arrasou as marés domadas da minha existência, invadiu-me e defronto-os desprevenida. Com medo. Medo de encarar quem quer que se reveja no reflexo das lágrimas que não consigo estancar. Porque dói, porque o sofrimento dos outros se tornou real. Porque não os quero a sucumbir perante mim, quero-os em concursos idiotas a ganhar felicidade a rodos.<br /><br /><strong><span style="font-size:85%;">Envelhecer seria tão simples se a passagem do tempo se fizesse apenas para nós. E quero gritar para não colherem flores, para apenas sentirem a sua fragrância e as tingirem de matizes inéditos, nessa imagem aparentemente banal sobre fruir os momentos belos que nos são dados, a meio de jornadas por encerrar.</span></strong><br /><br /><span style="font-size:78%;">*Poderia não explicar mas desta vez creio que o farei. Alguns de nós passamos parte da nossa vida intocados, como se "sofrimento" se lesse apenas em livros ou em filmes melodramáticos. Ou vemos os telejornais e já estamos anestesiados... Até que um dia a realidade nos bate à porta. Chamei-lhe envelhecimento, mas não é necessário que se tenha esta ou aquela idade. Pode ser agora, amanhã, anteontem... E por vezes não é um amigo ou um familiar ou um conhecido... são todos ao mesmo tempo. A vida prega-nos partidas porque lhas está a pregar a eles. Por vezes, egoisticamente, desejávamos colar os cacos e reconstruir a redoma em que nos escudáramos. Uma redoma que não suportou e estalou. Observamos o horizonte, a vida - a nossa e a deles - com os cacos nas mãos, apertamo-los até que sangremos. E sangramos lágrimas também porque há destinos que não podemos mudar e outros que não desejam ser mudados.</span>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-80055457525902147452007-02-17T12:14:00.000+00:002007-04-17T13:02:50.801+00:00OmissãoNunca gostei de perder nem a tostões, e não tenho jeito para o logro. Assim decidi que nunca jogaria. Nem em jogos de azar, nem na vida. Tornei-me antes num observador nato. Coleccionei atitudes, analisei-as ao milímetro, mas mantive-me sempre à margem.<br />Se me dedicasse ao xadrez anteciparia todos os movimentos do velho Kasparov. Ser-se analítico, permite-nos perspectivas curiosas e intuitivamente reconhecemos o carácter, mais ou menos predador, de cada peão no tabuleiro da vida.<br />Muitos dirão que nunca ir a jogo nesta sociedade é uma lacuna, porque com a passagem dos anos conhecemos lances suficientes que nos permitem um xeque-mate eficaz. Ou seja, atingir o topo, ilesos. Se os fins invalidam os meios? Essa já é outra questão.<br />Como os jogadores arrastam irremediavelmente alguém pelo caminho, com o tempo intensificou-se-me o instinto. Mas surgiu a náusea.<br />Os jogadores atravessam a multidão crendo-se incorpóreos, trespassando mortais que - pensam - não sentirão o seu embate. E embora me tenha mantido afastado, na minha mente evidencia-se o que observei, pressenti e muitas vezes soube que sucederia. E pondero as denúncias que nunca fiz...<br />Sim, admito, transformei-me numa omissão. Vi os que iniciaram na partida e não atingiram a chegada. Desprezei o que aconteceria aos que se cruzaram pelos atalhos dos que jogam por pura sobrevivência. Virei a face. Não jogo, não faço acusações e sei que a minha omissão custou vidas. Mas não as contabilizo, tal como não conto jogadas. Só observo.<br /><br /><strong><span style="font-size:85%;">Para as náuseas? Tomo um comprimidito qualquer que alguém me receitou.</span></strong>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-73527898077741647902007-02-10T10:16:00.000+00:002007-04-11T11:57:33.221+00:00<strong><span style="font-size:180%;"></span></strong><br /><strong><span style="font-size:180%;">Papel mate. Brilho digital.</span></strong><br /><br />O comboio esvazia lentamente. A escuridão não permite antever as estações, somente o hábito mental da contagem dos tempos, deixa o cérebro ir adivinhando. Abre portas, fecha portas. Na carruagem restam dois companheiros de viagem, dois homens, daqueles que a noite transforma em seres amorfos. As horas galopam na alma de Mariana. É de noite que ela sente mais medo daquilo que acha que poderá nunca vir a ser. Olha através do vidro da janela… só o negro da noite… nem sabe porque repete um gesto tão sem sentido. Vinte e três horas. Iníciam-se as horas sem esperança, as horas que se escoam por entre os dedos. E Faltam tão poucas para que o ritmo diário se entranhe novamente…<br /><br />A luz, mais forte do que o habitual, impede Mariana de fechar os olhos. O cansaço apático em que geralmente se encontra ao regressar a casa acaba sempre por lhe dar alguma paz. A tensão torna-se menos espessa. Mas a luminosidade incomoda-a. Um íncómodo imperceptível, que a torna mais desperta. Foi um dia complicado na agência. Demasiado cansativo, com pessoas demasiado alteradas, demasiado mimadas pelas hierarquias vigentes. Uma sexta-feira “para esquecer”.<br /><br />No banco ao lado, a pasta com o iBook recorda-a contantemente o trabalho que leva para casa e que não lhe apetecia nada não ter trazido. Publicidade, essa profissão diabólica… Espera que o fim-de-semana seja mais produtivo do que foi a semana na agência. Terá certamente menos pressão. Embora seja essa mesma pressão que a faz esquecer os sons distantes, que lhe demonstram, que a vida lá fora continua, sem precisar dela.<br /><br />A luz, na carruagem, baixa de intensidade. Mariana deveria ter deixado o frio do lado de fora, mas este, pareceu de alguma forma acompanhá-la até ao interior morno da carruagem. Retira o portátil da pasta. Esquece o medo dos roubos, e que a noite já só existe para disfarce da crueldade humana. Observa o iBook, e pensa que os todos os seus sonhos são tão efémeros. Reduziu os sonhos a meros desejos materiais. Uma vida profissional móvel, que levou tão pouco tempo a concretizar. Pouco mais que o telemóvel, pouco menos que a “Classe A”.<br /><br />Mas o iBook é lindo… e tão efémero também... Daí a uns meses sairá outro melhor, mais rápido, mais bonito. Mais efémero ainda…Um simples “click” numa tecla e o sistema operativo inicia-se. Fixa o azul escuro do desktop. E se olhasse para esse mesmo desktop e ele não fosse azul escuro… e estivesse lá a foto do filho? Seria ela a mesma pessoa? Nunca tinha sido muito dada a tais extravagâncias visuais. A quantidade de fotografias que espalhamos por todos os compartimentos da nossa vida, dar-nos-ão a medida exacta da falta que sentimos de alguém? Ou será, que é exactamente o oposto? Uma forma de não esquecer, que compartilhamos com esse alguém, um espaço, que em tempos foi só nosso?<br /><br />Mariana tem em casa um enorme álbum de fotografias, bem organizado - como em tudo nela, como em tudo na sua existência - fotos datadas, explicadas e coladas sobre folhas grossas, pretas. A única coisa que vai contra esse catalogar metódico são os próprios instantâneos. A preto e branco, de colorido forte ou de cores desmaiadas, vêem-se os sorrisos, os risos, as lágrimas, as férias, os aniversários, os nascimentos. Momentos sobre os quais se vai construindo uma vida. Cada imagem representa um fragmento do passado que o constante folhear do álbum grava ainda mais fortemente na memória.<br /><br />Percorre a dock… recorda-se vagamente que o marido andou de volta de um novo programa, para arquivo de imagem. iPhoto. Sempre foi avessa a trocar as suas velhas fotos impressas por imagens digitais, tão facilmente adulteráveis. Causa-lhe a sensação de enfrentar um qualquer conceito de destino. Ela que todos os dias, na agência, tenta manipular o querer dos outros, manipular as certezas individuais de cada um.<br /><br />Lança o iPhoto. No ecrã surgem-lhe os olhos do filho, esses olhos castanhos e risonhos. Olhos meigos que conhece tão bem, que a fitam vezes sem conta, da mesma forma que neste preciso momento. Uma fotografia bela, bem conseguida, um verdadeiro grande plano da felicidade, da inocência. Mariana sorri e saboreia de seguida imagem a imagem. Revê-se grávida, revê-se no olhar do filho, revê-se junto do homem que surge a seu lado. Revê-se nesse álbum de imagens digitais. Esquecida do cansaço e das dúvidas.Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-29844776687998832622007-01-17T14:33:00.000+00:002007-04-17T12:39:14.501+00:00Cansado de ser arrastado de loja em loja,<a onclick="return top.js.OpenExtLink(window,event,this)" href="http://photos1.blogger.com/blogger/1993/154/1600/Out1.jpg" target="_blank"></a>sento-me num dos sofás a ouvir o som do piano que se mistura com o ruído de fundo das famílias que se passeiam pelo centro comercial, e a quem a banalidade dos fins-de-semana as faz sentir-se confortáveis, certinhas nos seus mundos regidos por compassos sem novidade.<br />A melodia do piano acalma-me o desejo de a agarrar, de a proibir de ser como é. Como sempre, deixo-a desgastar-se em devaneios com que não concordo. E aguardo pacientemente que chegue, atafulhada de sacos, embrulhos e fantasias.<br />Depois, dou-lhe a mão, e dirigimo-nos a Sintra. Existem estradas que não exigem mapas ou que se percorrem sem se verbalizar os porquês e esta é uma delas.<br /><br />Amo-te, digo-lhe. Amo-te incondicionalmente, com os teus inúmeros sacos, saias, sapatos e malas e sonhos. E amo-te ainda mais assim, sentados na Periquita, a comer um travesseiro quentinho, com recheio de ovo e a sentir o calor da tua mão.<br /><br /><strong><span style="font-size:85%;">Amo-te, sussurra-me. E pelo brilho no olhar guloso tenho a certeza que sim. A magia visceral de Sintra não lhe permitiria mentir-me.</span></strong>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-62732350236525597392007-01-17T12:57:00.000+00:002007-04-17T13:02:20.857+00:00SimetriasA boca é idêntica à tua, símile, numa simetria sem fuga. Observo-a num retrato excessivamente artístico, como todos os dessa época. Bem mais fotogénico que eu, perco-me na fotografia e nos teus traços.<br />O verdadeiro mistério nunca foi sermos tão parecidos. Foi descobrir-te, com a mesma idade que aparento agora, num retrato a preto e branco demasiado artístico - eu, que deixei para trás todas as fotos do passado, à espera de um dia as poder furtar ao cativeiro invisível da recusa - e não compreender porque te guardo comigo.<br />Até descobrir, escrevinhado a lápis no verso, "anúncio família".Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-43581859249045334402007-01-17T10:48:00.000+00:002007-04-17T12:50:43.267+00:00Gosto do pretérito,dos tempos em que o Outono era Outono. Em que as palavras eram apenas palavras porque bailavam na nossa mente como folhas caídas de árvores ao sabor do vento. E nós éramos esse vento irrequieto, sem direcção certa porque nem sabíamos que o vento tinha que ter uma direcção.<br />O presente é a certeza de que se foi inocente, de que em algum momento nos aproximámos mil vezes mais daquilo que ansiamos encontrar agora.<br />Por isso amo as imagens e os cheiros que ficaram dum passado longínquo e incorrupto... Quando os sinto não restam dúvidas. Foi. Aconteceu. Que saudades do mar e da areia quase fria nos pés. Que saudades do cheiro de Monsanto. De quando Monsanto era apenas uma mata. Nada mais a não ser isso mesmo, uma mata.<br /><br /><strong><span style="font-size:85%;">Que saudades desses passeios e de quando nos bancos dos jardins de Lisboa não se sentava a morte... Apenas vida e inocência.</span></strong>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-3017041254038836012007-01-10T16:00:00.000+00:002007-04-11T11:38:59.813+00:00Sussurros...<span>Em determinados momentos creio que irei ceder. Escolher um dos portões que me são sussurrados pelos seres alados que emergem das profundezas da terra...<br />E é a terrível vontade de ceder que me permite observá-los demoradamente. Medir forças. Tentar compreender até que ponto as órbitas negras desses seres podem ser lidas.<br /></span><span>Esperam por mim com a quietude enfurecida que emana de todos as criaturas que não esquecem os seus intentos.<br />Quantas vezes, num só dia, me atraem até passagens secretas, segredando-me que Deus as colocou ali somente para mim. Falseando os dados. Sacrificando os seus temíveis </span>espectros a outras vestes... aos sorrisos dos que amei, às palavras dos que nunca esqueci, aos doces momentos do passado e da infância. Até que finalmente as oiça e anseie pelos seus portões. Portões que simulam caminhos que não existem.<br />Aceno violentamente "não!"<br /><br /><strong><span style="font-size:85%;">No dia seguinte recomeçará tudo de novo, uma montanha russa de emoções que me fará atingir picos insanos de tudo e de nada. De novo as portas, os caminhos, os precipícios forjados apenas para me iludir. Vozes doces ao ouvido.<br />Seguidas de momentos em que sairei de mim e alcançarei evasões ilusórias, segundos precisos de paz. Nesses instantes, valho mais a pena. As minhas lágrimas fazem sentido e os meus sorrisos ganham a força dos antepassados. Dos mortos, dos vivos, e até dos que estão por nascer.</span></strong>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-14291059003294918012007-01-10T14:00:00.000+00:002007-04-11T11:52:04.104+00:00FamaTenho-te na sensibilidade das palavras. No sorriso com que olho para lá do que parece intransponível. Perco-me em pensamentos sem direcção, sonhadoramente brincando com as palavras que posso modelar com a única capacidade que ainda posso chamar minha. Como se finalmente escrevesse um diário sem fim, que afinal - e isto seria uma longa história - nunca precisou ter princípio.<br /><br /><span style="font-size:85%;"><strong>Sou mais eu e gostava que alguém o partilhasse. </strong></span><br /><span style="font-size:85%;"><strong>É essa a fama que o ser humano inevitavelmente deseja.</strong></span>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2454852480257235443.post-19088113893155487212007-01-10T13:52:00.000+00:002007-04-17T11:53:14.501+00:00Não se pode voltar atrás...<span>Detesto o tempo que galopa sobre mim e me torna inexistente. Tempo desperdiçado. Sonhos por cumprir. As horas, os minutos, os segundos gastos no nada, no vazio. E tanto de mim por ser. Tanta beleza, e eu, sem conseguir atingi-la.<br />Olho em volta e apercebo-me de cada erro cometido, e sinto a inércia de tudo o que se torna impossível ou utópico. Quero recordações. Prefiro avançar sobre o futuro... quase às cegas.<br />Mas conheço-me, e sei o quanto sou incansável na busca das tintas com que diluo o que for demasiado real.<br />E sinto a solidão, essa dor imensa que de um trago se recusa a aceitar como verdadeiras, todas as convicções que a vida impôs. A solidão das decisões inexoráveis.<br /></span><br /><span style="font-size:85%;"><strong>Desconheço certezas. Já não estudo para me formar, namoro para casar ou sequer trabalho por um ordenado certo. Todos os contornos do real se tornaram estranhamente indefinidos mas no entanto, mais do que nunca, acredito no direito de retomar o caminho que um dia abandonei, e afasto-me do que se supõe ser correcto. Mas nos torna insanos.</strong></span>Raquel Vasconceloshttp://www.blogger.com/profile/01469953122290465926noreply@blogger.com0