Insanidade consciente
Acordei em sobressalto. Ondas gigantes, enraivecidas, engoliam areias e rochedos como se fossem conchas abandonadas. E de súbito, porque os pesadelos são peças de teatro constituídas por fragmentos dispersos, tudo se aquietou...
Mas via os meus registos de escritor empaparem-se... O esboço do meu livro desfazia-se na espuma mansa que restara da investida das ondas. E os meus olhos tentavam apossar-se de cada palavra que se desvanecia, incapaz de me apropriar dos meus próprios parágrafos.
Abri os olhos. O meu coração ainda não cabia no peito. Toquei-te muito ao de leve com as costas da minha mão na tua pele nua, sem desejar despertar-te. Como que a assegurar-me de que ali estavas. Como se fosses tu, cabelos, olhos, nariz, boca e corpo, as páginas perdidas do meu livro.
Estavas ali, inteira. Acalmei. Vim ao de cima do pesadelo, submergi na realidade e na luz que entrava pela janela. Tornei as paredes do quarto opacas. Deixei de sentir nos pés a areia molhada. E encostei a cabeça aos teus cabelos ondulados que se espalhavam pela almofada.
Cheguei-me mais a ti. E repentinamente a água gélida do oceano invadiu-me aos borbotões e eu soçobrei nas ondas gigantes de novo e gritei. Gritei como nunca o fizera até aí. Gritei sem som. Porque ninguém me ouviu. Gritei como se fosse a última vez que pronunciasse o impronunciável.
O teu cadáver gelado contra o meu corpo fendeu para sempre a minha mente do meu ser. Emudeci, fiquei vítreo. Ficámos assim horas e horas a fio. Tu, gelada, ausente, e o calor do meu corpo a aquecer-te até nada restar da minha razão. Apodrecemos. Mas nada disso me importou. Os teus belos cabelos ondulados colavam-se-me, enrodilhavam-se nos meus dedos. E as suas ondas eram as páginas, as palavras perdidas do livro por acabar. E os sábios do mundo decretaram-me louco. Mal sabendo que existo nas memórias do que foste.
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27 comentários:
Tu escreves deliciosamente.
Pouco mais posso dizer que obrigada.
Podes sim, podes continuar a escrever, pois vê-se pouca gente a escrever tão bem como tu.
Parabéns.
Não tenho palavras... pois com a "idade" somos tão rapidamente cartas fora do baralho... que descobrir esta paixão me ajudou agarrar à vida.
Para teu conhecimento:
Deste modo, atribuo o Thinking Blogger Award a:
«Contra Capa» de Cristina Vieira, pela foma, frequência e conteúdo constantes, colocando à discussão, temas actuais. A escrita é incisiva, suficientemente resumida e pouco fica por dizer ou comentar;
«Ana Luar» de Ana Luar, pela beleza do conteúdo e profundidade dos sentimentos que nele coloca, sendo cada post, como um ramo nascido da própria Ana;
«A luz do poema» de Maat, pelo imenso horizonte e ensinamento onde este blog, sucedendo ao "Arde o azul" é apenas um exemplo dos demais blogs;
«O Alquimista» do Alquimista, pelo conteúdo e forma de escrita, tomando nos contos e lendas, uma forma actual e bela de transmitir conhecimento e sentimentos;
«momentUS» de Nina, pela beleza da escrita e modo de transmitir sentimentos de modo quase sobrenatural, transportando-nos a um estado letárgico de prazer no entendimento das palavras.
A exiguidade do número disponível para a atribuição, impedem-me de igualmente nomear, os seguintes blogs, que seriam, no meu entender, entre outros, igualmente merecedores:
«A luz do vôo» de Maria Costa;
«A minha louca paixão» do Simplesmente Louco;
«A Economia» do Simplesmente Louco;
«Parágrafos inacabados» de Raquel Vasconcelos;
«Teu sonho meu» de Azul;
«Myself» da Karla;
«A cidade do esquecimento» de Liliana;
«Pétalas minhas» de Vera Carvalho;
«Amanhecer & palavras ousadas» de Conceição Bernardino;
«Riso cor de Tejo» de Risoleta;
(entre outros).
Cara Amiga,
Não se juntam palavras impunemente. Não se casam expressões de criar novas realidades sem que o mundo se altere um pouco...
Daí que o fazê-lo com mestria - maior ou, até, menor - é um serviço público.
É isso o que nos (em)prestas, com uma grande generosidade. E a tal mestria a guindar-se a fasquia elevada. Serão gritos de alma. Mas colhem eco.
E mais não digo... ;-)
Beijos.
Quando escreves, que sentirás na altura de cada palavra que sai, se acordas sempre com sobressaltos gigantes como este onde nos sentimos insignificantes... Não bastam as palavras, porque elas são como as recordações dos sonhos.
Já sabes o que penso da maneira como escreves; daí eu ter dito certo dia, que adorava que me escrevesses uma carta de amor...
Beijos meus
Aos anónimos apenas aqui posso responder. Porque a quem assina posso dizer dos meus sorrisos.
Abro uma excepção ao fred que já sabe que isto de cartas de amor por encomenda é coisa complicada.
Mas quem sabe um dia não volto a escrever alguma sem dedicatória [mais uma vez].
Para ti, fui e serei sempre um anónimo desconhecido que te assusta na insegurança, mas nunca nas palavras. Vamos lá saber porquê...
Ha tempos que não tinha o prazer de te ler. A tua escrita cada vez mais depurada e sugestiva. Gostei muito. Beijos
Raquel, minha doce Raquel!
Bom saber de ti! hoje, agora, neste momento, fui ver a que pé que andava a minha página do podomatic. A minha surpresa, logo se encheu de alegria, pois quando li o teu nome, fiquei sorridente!
Peço-te mil desculpas, cheias de rubor e vergonha, por demorar tanto para responder-te, mas é que estava com uma certa dificuldade de acessar esta minha página.
Adorei saber do teu blog, e aproveito para dizer que adorei teus escritos.
Sobre o livro, antes de viajar a madrinha disse que quando voltar, providenciaremos isto, pode ficar tranquila que o seu com certeza estará junto.
Mais uma vez, foi muito bom te reencontrar, e continua escrevendo, adorei.
Beijos!!!
belo texto Raquel
Bom domingo.
Bjs
Luz e paz
Raquel, agradeço me contactes - f.m-p@hotmail.com
E visita o blogue sempreemluta.nireblog.com
Continuo a adorar os teus escritos.
Não me canso de os ler.
Um beijo.
Fernando Manuel Pereira
olá,Raquel.Acredita que fiquei arrepiado com o trecho sobre a "insanidade consciente".E arrepiado no sentido positivo,pela força da tua interioridade,pela tua sensitividade que brota de ti de forma docemente inquietante.Se tinhas dúvidas,esquece-as:és uma escritora nata.Parabéns!
Teu amigo,
dr.freud40
Sê bem-vinda e k seja em definitivo. Olha, a minha net anda lenta - qnd não se desliga e me aborrece plea insistência.
A dela em desligar-se e...lenta, a minha em ligá-la, reiniciá-le e continuar - e eu mais ausente. Mas por cá vamos.
Bjs
Luz e paz ao teu redor e em teu caminhar k de ti irradie
Um FELIZ 2008. Que os teus sonhos se possam, finalmente, concretizar.
Um abraço carinhoso
E sofres tanto quando escreves...
Escrever com o coração é isso, sofrer.
Texto muito bonito e triste ao mesmo tempo.
Bjs.
Olá Raquel
A força e a mestria com que ligas as palavras faz-me ficar agarrada ao que escreves, devorando-o até ao final. Sempre gostei imenso de te ler. És uma grande escritora. Continua, amiga.
Um bjinho grande e uma flor da
Amita
Vais ser sempre a Menina do Olhar Meigo, Raquel.
Tenho "duas contas" para ti, minha querida, de forma alguma, para substituir "aquelas outras duas"...
Vou adorar dar-tas, porque só têm razão para existir, radiosas, na palma da tua mão, que mantens, ainda que "penses" que não, sempre aberta!
Um abraço bem apertado.
Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...
Gostei do que l, por isso atrevo-me a pedir que actualize o seu Blog.
Com estima e consideração, apresento-me: sou a isabel, a joaninha no Blog... Um abraço
Gosto muito da tua escrita.
Bom Domingo. Bjs
Querida Ana Raquel
O sabor das tuas palavras já há muito conheço e sabes como delas gosto. Este blogue desconhecia.
Um beijo
Daniel
KERIDA RAQUEL
...sempre fantástica a tua Palavra!
xis létinha
Um bjinho Raquel
Adoro ler-te.
Vê se regressas, está bem?
Escreve de facto muito bem . O meu sincero respeito
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