Torpor mortal

Nada sinto, a vertigem é real, a convicção de que não sou capaz de verter uma lágrima entrega o corpo a uma pausa forçada. Um coma induzido de todos os sentidos. Não traduzo as razões, não as quero traduzir.
É de noite e os pilares de cimento são imensos, projectando sombras disformes que ocultam a luminosidade a cada pilar que por mim passa. Queria esconder-me por detrás de cada um deles, mas derroto a covardia eminente e avanço até ao fim do túnel onde a luz incendeia as pupilas.
Rostos, casacos, malas, sapatos que caminham contra mim e em que tento não reparar. Vejo-me reflectida nos olhares... Sou o oposto do real. Sinto-me um espectro saído das trevas que atravessa uma existência inerte, inserida num enorme cenário de papelão, colorido e envernizado, mas ainda assim inerte.
O coração deles bate coordenadamente. O meu está a estagnar. Não sei contar o tempo, procuro uma lógica neste labirinto de claridade e gente e vagueio sem me recordar do meu propósito inicial. Cada passada é mais densa que a anterior.
Os meus olhos, que interessam os meus olhos? Porque os observam? Porque me encaram, se desejo passar despercebida? Como abutres, devoram mágoas, pressentem a mais ténue discrepância na encenação e eu sou um contra senso neste palco.
De novo o mesmo corredor, as mesmas escadas... O que faço aqui? A luz atraiu-me qual borboleta à lâmpada que brilha na noite fria... mas não há calor. Não... A temperatura do meu corpo desce segundo a segundo e apenas o espanto inicial mantém alguns intervalos irrepreensíveis na respiração que afrouxa.

"Tornei-me num sinónimo vazio de mim mesmo, os despojos de uma batalha que se iniciou no centro de ti. Foste o teste, a impunidade, a roleta russa. Ainda tens tanto para viver, tudo que já vivi e ainda mais. Poucas oportunidades tenho, se te empurrar tu apenas cais... Se me empurrares esfumo-me" - pensaste.

Foi uma aritmética magistral. Indestrutível. E minha a juventude foi a desculpa perfeita para uma saída irrepreensível quando te despediste de mim.
Mas quando já te ias embora paraste, viraste-te, e encurtaste a distância entre nós tão rapidamente que me assustei. Sussurraste algo que o ruído ensurdecedor do comboio a aproximar-se não me deixava entender. Amo-te, escutei.
E sorria, quando as tuas mãos contra o meu corpo me empurravam para a linha.

1 comentário:

[Uni]Verso disse...

De suster a respiração.
Adoro a forma como escreve e se exprime, e a facilidade com que me transporta para o cenário que descreve e para os sentimentos que redige.
Vou passar por cá mais vezes =)