Omissão

Nunca gostei de perder nem a tostões, e não tenho jeito para o logro. Assim decidi que nunca jogaria. Nem em jogos de azar, nem na vida. Tornei-me antes num observador nato. Coleccionei atitudes, analisei-as ao milímetro, mas mantive-me sempre à margem.
Se me dedicasse ao xadrez anteciparia todos os movimentos do velho Kasparov. Ser-se analítico, permite-nos perspectivas curiosas e intuitivamente reconhecemos o carácter, mais ou menos predador, de cada peão no tabuleiro da vida.
Muitos dirão que nunca ir a jogo nesta sociedade é uma lacuna, porque com a passagem dos anos conhecemos lances suficientes que nos permitem um xeque-mate eficaz. Ou seja, atingir o topo, ilesos. Se os fins invalidam os meios? Essa já é outra questão.
Como os jogadores arrastam irremediavelmente alguém pelo caminho, com o tempo intensificou-se-me o instinto. Mas surgiu a náusea.
Os jogadores atravessam a multidão crendo-se incorpóreos, trespassando mortais que - pensam - não sentirão o seu embate. E embora me tenha mantido afastado, na minha mente evidencia-se o que observei, pressenti e muitas vezes soube que sucederia. E pondero as denúncias que nunca fiz...
Sim, admito, transformei-me numa omissão. Vi os que iniciaram na partida e não atingiram a chegada. Desprezei o que aconteceria aos que se cruzaram pelos atalhos dos que jogam por pura sobrevivência. Virei a face. Não jogo, não faço acusações e sei que a minha omissão custou vidas. Mas não as contabilizo, tal como não conto jogadas. Só observo.

Para as náuseas? Tomo um comprimidito qualquer que alguém me receitou.

1 comentário:

MAH-TRETAS disse...

Gosto bastante desta forma de deitar p´ra fora o que vai na alma ,fixe ... mas para as nauses nada de comprimiditos ... muito melhor um bom drink.


a.h