Quem bate em quem?

A violência sobre a mulher tem sido amplamente debatida.
Mas nesta questão, continuam a ser deixadas para trás as crianças. E é imperativo que exista a noção de que a violência é também praticada em larga escala contra estas. Com a nossa autorização. No seio da própria família.
Continua a ser não ser considerado incorrecto o uso de violência física como parte integrante do ensino de uma criança. Como se o uso da força, por ser aparentemente educativa, possa perder a sua conotação de violência.
Parece-me inexplicável que sendo grave, e até passível de ser punível por lei, um adulto agredir outro adulto - de massa corporal relativamente similar - seja no entanto, perfeitamente aceitável, que esse mesmo adulto utilize a agressão física para disciplinar uma criança, cuja massa corporal é, muito provavelmente, um terço ou um quarto da sua.
O que muda neste quadro? A forma psicológica de encarar a violência que, apelidada de disciplina, se torna aceite por todos? É inadmissível que esta situação, que ocorre em inúmeros agregados familiares, continue a passar em branco. Uma realidade constantemente desculpada com a justificação de que se utiliza a força de forma controlada.
Quando chegamos ao fundo da questão, no entanto, deparamo-nos com crianças que sofreram agressões que já ultrapassaram há muito os nossos limites psicológicos do que é aceitável. Ninguém se dera conta porque as crianças, muitas vezes, se transformaram em seres invisíveis. Para quantas pessoas é comum o filho do vizinho que grita desalmadamente porque... "por alguma razão será"?
Todos ficamos profundamente chocados se presenciarmos um homem a bater numa mulher. E é comum que alguém intervenha. Mas se um pai bate no filho, a sensação de desconforto é calada e é raro interferirmos. Vindo ao de cima a ideia enraizada de que não nos devemos intrometer na educação que cada um dá à sua família.
Assim se pensava em relação às mulheres. Havia o dever de "educá-las", se necessário, pela agressão física. Estas passavam das mãos, pouco delicadas de um pai, para as de um marido que as manteria debaixo da mesma forma de violência. Não será afinal a herança desta mentalidade que mantemos para com as crianças? Persistindo na despenalização de "gigantes" que de mão em riste educam... ou matam?

1 comentário:

Elypse disse...

Interessante. Estive por cá a ler-te e não consegui deixar de ser cúmplice.

Abraço